Eu e meus dixotes

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Salvador, Bahia, Brazil
Eduardo Vasconcelos

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Besouro...

É válido ressaltar, antes de tudo, que não... eu não sou crítico de cinema, nem antropólogo, nem sociólogo, nem nada parecido. E mais... não, eu não sou adepto a levantar e defender bandeiras raciais, sexuais, socio-econômicas, profissionais, religiosas e afins... na verdade não tenho muita paciência pra isso. Mas quando algo me incomoda, ou me intriga, utilizo esse humilde espaço pra me expressar... pra soltar meus dixotes...
Enfim... hoje fui assistir ao filme "Besouro", que conta a história do maior capoeirista de todos os tempos, Besouro (vivido por Ailton Carmo), através de uma história repleta de efeitos, lutas, referências ao candomblé e à cultura afro-brasileira. Após ver o filme e as reações no cinema, busquei algumas críticas nos sites especializados... a grande maioria dos "especialistas" referem que o filme conquista pela estética, mas peca pela falta de emoção. Bem... não sei em que situação esses "especialistas" viram o longa, não sei qual o contexto social deles e nem qual afinidade com o tema... só sei que eles não assistiram ao filme na minha sala de cinema no Salvador Shopping, hoje às 15:30, em uma sessão que custou R$ 2,00 (Projeta Brasil Cinemark) e que estava absolutamente lotada. Se tivessem assistido nessas condições, talvez tivessem a overdose de "emoções" e o misto de sensações que eu tive.
O fato é que, em determinado momento, Besouro tomou forma de "Divã" ou "Se eu fosse você" ou quem sabe "American Pie" e virou uma grande comédia. Sim... uma deliciosa comédia aos olhos de grande parte daquela feliz, bem humorada e jovem platéia. O riso, inicialmente discreto, se transformou em absoluto quando um espectador mais corajoso não se conteve e deu a primeira gargalhada ao ver o casal negro se beijando. O riso realmente é contagioso. A partir daí, só felicidade! Tanta alegria que me perguntei se eu e aquelas pessoas estávamos vendo o mesmo filme.
E as questões foram surgindo... o que há de tão engraçado na temática Capoeira? O que há de tão engraçado ao se retratar parte da cultura afro-brasileira? O que há de tão hilário no beijo e no sexo entre negros? Por que nunca ouvi risos e comentários maldosos nos beijos dados por Brad Pitt, Tom Cruise ou Reinaldo Gianechinni?
E que tal ouvir entre os risos frases do tipo "Oh o negão dando uma ferroada!" (referência à única cena de sexo do filme)... "Nesse negão eu até ia... eu gosto de negão" (adolescente loira atrás de mim, se referindo ao ator principal)... "Ih... penteou o cabelo" (referência ao cabelo do personagem Quero-Quero)? E que tal ouvir "É o cão chupando manga" ao ser exibida uma cena do protagonista chupando uma manga? E que tal ouvir todas essas frases embaladas por encorajadoras gargalhadas?
Aquela parecia uma sessão de descarrego. Era a oportunidade que alguns queriam e esperavam para destilar todo seu real conceito acerca dos negros, sua cultura, seu aspecto. E foi a primeira vez que vivi isso de forma tão intensa... tão coletiva. Em cada comentário pude sentir a rejeição à estética negra, à cultura negra... pude perceber a persistência irritante da visão do negro como ser sexual (mulheres "quentes" X homens "bem dotados")... pude vivenciar como um protagonista negro não é levado a sério, é literalmente motivo de piada.
Senti como se cada comentário daquele fosse pra mim... a ponto de ficar constrangido em determinados momentos. O que eu deveria fazer? Me levantar? Me retirar? Permanecer? Brigar? Calar? Me concentrar no filme? Não sei... só sei que não queria estar tendo que pensar nisso naquele momento. Pra muitos talvez isso nem faça sentido... mas provavelmente não são negros... não entendem o filme que passa na cabeça de um negro ao ouvir cada comentário, piada ou riso desse. Mesmo sendo bem resolvido consigo mesmo, é angustiante a não aceitação daqueles que insistem em dizer que te aceitam. Porque, certamente, dentre os comediantes da sala 6 do Cinemark muitos devem bater no peito dizendo que tem amigos negros (ou que são negros) e que não tem nenhum tipo de preconceito.
E o que mudou realmente desde 1924 (ano em que os fatos do filme ocorrem) até novembro de 2010? Pela identificação da platéia com os maus tratos destinados aos capoeiristas e retratados no filme, pouca coisa mudou. Só que agora, em 2010, é legal ser amigo de preto. É legal... preto usa trança, dança no Ilê, tem ritmo, sabe sambar, é alternativo e joga capoeira! Super legal! Mas algum preto que tente ultrapassar a barreira da amizade pra virar namorado e depois me conte o que acontece. Pouca coisa mudou... hoje isso ficou claro pra mim... mais claro, na verdade. As coisas não mudaram... só estão mais discretinhas, escondidinhas.
O que há de bom nisso tudo? O filme. O filme é realmente bom... me tocou, me envolveu mesmo com tanta informação adjacente. Pra mim não faltou emoção. Definitivamente o que não faltou foi emoção, por ver ali retratado (e bem retratado) parte tão importante de nossa cultura. Recomendo que vá assistir, que observe a reação da platéia pra ver se esse foi um fato isolado e que perceba que o que pode ser muito engraçado pra você pode ser extremamente representativo para o outro e, por isso, merece, no mínimo, respeito.

2 comentários:

  1. É meu amigo...Infelizmente essa é a realidade nua e crua!!!

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  2. Excepcional. A opção é falar com propriedade e você já alcançou este aparato presente em poucos.

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